terça-feira, 28 de março de 2017

Habitar, Morar, Viver e Perceber
1ª Reflexão a partir da leitura do livro “A Cidade como negócio”
de Ana Fani Alessandri Carlos, Danilo Volochko e Isabel Pinto Alvarez

Esperar quem, para quê,
não é assim que funciona com os grandes?
Aqui nesse espaço que ocupamos,
além de morar, posso construir e alugar.
Se a várzea é do rio e ninguém respeita...
Aliás, o que eu faço e penso é bem parecido
com o que fazem e pensam as grandes construtoras.
(Pedreiro e construtor de casas em área de ocupação)

“O conceito de produção do espaço parece afastar constantemente a ideia do solo (urbano, sobretudo), com algo finito, não reprodutível, absoluto, e mesmo a propriedade privada do solo nessa perspectiva dialetiza-se ao ser entendida como título negociável de um espaço construído e reconstruído, um espaço – mercadoria que se valoriza de acordo com o processo socioespacial, sendo ainda (a propriedade privada do solo) o pilar das desigualdades. (Danilo Volochko – Professor Doutor em Geografia – Geografia Humana – Universidade de São Paulo)
Habitar, morar, viver num lugar, relacionar-se, perceber nas bordas da cidade que a moradia passou a ser produzida como negócio urbano, com incorporadoras que na maioria das vezes desconsideram a política urbana e acabam contribuindo na reprodução de periferias, com processos de valorização do espaço, espoliação e segregação socioespacial.
Vivemos um processo de periferização e metropolização em que a produção de habitação integra uma das modalidades de valorização do espaço, dentro da dinâmica de produção do urbano. É necessário um estudo sobre as trajetórias fundiárias dos terrenos almejados para produção de habitação, entender os processos e as estratégias de agregação urbana e imobiliária que envolve verticalização, espaço – tempo de construção e também os deslocamentos das populações pobres.
Os preços dos terrenos no espaço urbano subiram e muitos lançamentos imobiliários se voltaram às periferias, muitos empreendimentos localizam-se bem próximos de áreas de ocupação, sendo que uma delas é a Várzea do Tietê da Zona Leste de SP. Necessitamos então, isso seria um trabalho de geógrafos e urbanistas, de um estudo no sentido de revelar a prática socioespacial (re)produzida, a partir da escala do lugar, ou dos lugares, e nos últimos 10 anos ocorre uma certa constituição de espaços urbanos que se tornam habitáveis e públicos com sub-habitações que também ganham lastro entre os mais pobres, pois trata-se de um lugar para estar, permanecer, viver, alguns enquanto for possível...
Considerando que os espaços urbanos, localizados em áreas como a Várzea do Tietê, pouco a pouco passaram a ser disputados pelos mais pobres, tornando cada vez mais distante pelo custo elevado de operações urbanas quaisquer intervenções do Poder Público, pois este não tem condições de garantir os investimentos em sociespacialidades, até mesmo em localidades em que a presença do estado é verificada pela presença de equipamentos públicos de educação, saúde e assistência, por exemplo, vive-se assim diante de um desafio que necessita de estudo, ação e mobilização para encontrar alternativas para essa complexa anomalia socioespacial.   
Desde 2008 estamos a assistir uma privatização da política urbana, com programas como o Minha Casa Minha Vida com participação intensa de grandes incorporadoras em todas as fases, considerando que, no déficit habitacional brasileiro 89,6% diz respeito às famílias com renda mensal de 0 a 3 salários mínimos, observando que para faixa dos mais pobres há uma contradição, para ela têm sido contratados menos financiamento, além disso a produção de habitação popular passa a ser tratada como uma mercadoria, e isso tem implicações que podem ser desfavoráveis.
Uma das implicações é que as habitações populares, o mercado popular, têm suas plantas simplificadas, para atender grandes escalas, como também da estrutura geral da obra, do acabamento e das instalações. Isso provoca uma piora da global da moradia, que apesar da da rapidez que compromete a qualidade do projeto, em função de um certo “queimar de etapas”.

Dentre outros pontos abordados pelo livro “A cidade como Negócio, percebe-se claramente que a urbanização e a produção do espaço urbano são entendidas, na maioria das vezes, como simples resultantes do desenvolvimento econômico nas cidades. Entender o espaço não apenas como matéria prima, mas como mercadoria que se valoriza segundo dinâmicas propriamente urbanas/espaciais e financeiras é necessário para aumentar a compreensão e contribuir para processos e ações que possam contribuir para a redução das deisgualdades socioespaciais. 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

“Na educação o território e seus significados importam”
A escola pública passa por um momento de adequação frente às demandas da contemporaneidade: as novas configurações familiares, os territórios, as tecnologias digitais, as adversidades no que diz respeito às desigualdades, além da necessidade de conexão dos currículos formal e vivido. Isso exige pensar estratégias de aproximação com a realidade dos territórios, o que eles têm de identidades e características sócio - econômica - política - ambientais.
Considerando que há um isolamento da escola, resultado da escassa cobertura de equipamentos de serviços públicos e privados em territórios de alta vulnerabilidade, o que implica a sobrecarga do espaço educativo com problemas sociais que não podem ser satisfatoriamente atendidos no âmbito da escola, constantemente é necessário empreender ações para o fortalecimento das Redes de Proteção Social envolvendo os agentes e atores da sociedade civil, comunidades e poder público.
Quando pensamos em uma Educação voltada à redução das desigualdades socioespaciais, entendemos que é fundamental perceber a importância do território como elemento articulador das áreas do conhecimento. O território e seus significados importam e possibilitam desenvolver estratégias para aliar currículo formal e vivido com foco no(s) território(s). E com as tecnologias digitais somadas ao olhar de cada educando, vivenciar a Interface com o processo de ensino-aprendizagem, ampliando o olhar sobre o território e seus significados.
 Considerar preponderante reconhecer as novas configurações familiares, de gêneros e étnicas implica trabalhar na escola e nas formações continuadas dos professores com os eixos da convivência, equidade e justiça social, a valorização dinâmicas intersetoriais de aprender, ensinar, proteger e intervir, com pressupostos de resiliência e cooperação, numa arquitetura de Redes de Proteção Social, na qual a função social de cada agente ou ator ou instituição fortalece e permite também perceber a viabilidade e os resultados de se pensar e agir juntos, nos territórios com vulnerabilidades sociais complexas.  
No que diz respeito especificamente à formação de professores, coordenadores e gestores das escolas faz – se necessário subsidiá-los com experiências e metodologias nos eixos escola – família – território, subjetividades das juventudes, Rede de Proteção Social, Educomunicação e Convivência. Isso contribui para a qualificação das equipes das Unidades Educacionais, e à inserção transversal de práticas e experiências, numa perspectiva interdisciplinar em que a inserção do território também se dá transversalmente.
Porém, além da formação, é necessário criar condições para assegurar que as práticas educativas propostas e / ou advindas das formações sejam apropriadas pelas escolas de forma autêntica e autônoma, e que se possa observar a sua efetiva aderência e aplicabilidade.

Entendemos que refletir sobre as dinâmicas inter-relacionais das escolas, suas potências e fragilidades e fomentar propostas e práticas que fortaleçam a convivência escolar integrada ao território, contribui para uma ambiência favorável para a aprendizagem, coautoria e participação.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Jardim Lapenna – o desafio da construção de um território de direitos
Desenvolver capacidades argumentativas
dos cidadãos na definição da vontade coletiva
e na elaboração institucional de espaço aberto à participação
Pedro Cunill Grau – Geógrafo chileno

Numa trajetória de quase uma década, mobilizados e dentro de uma perspectiva de contribuir para com a redução das desigualdades em um território específico, Jardim Lapenna, localizado na zona leste de São Paulo, São Miguel Paulista, num espaço que se tornou público pelas pessoas que passaram a habita-lo desde a década de 60. Lá onde, dentre outras características ecossistêmicas se dá o encontro de duas microbacias do Tietê, num terreno urbano sobre uma planície aluvial na qual um rio corre lento, mas em épocas de cheia se acomoda no espaço que lhe pertence, avançando sobre um córrego e sobre a presença humana, estamos nós, na lida cotidiana de aprender, ensinar e intervir.
                Vivemos hoje um tempo de agravamento nesse habitat, o que demanda uma força de organização de superação, isso requer, antes de tudo, considerar as pessoas sujeitos capazes de produzir a normatividade do lugar no qual vivem e, para que isso ocorra é necessário desenvolver estratégias políticas – pedagógicas a gerar uma dinâmica de participação, capaz de provocar o “estado” a passar a ser uma instância de organização e de legitimação dos processos políticos. Mas para que essa dinâmica tenha substância política transformadora é necessário construir objetivos comuns e integrados para construção de um território de direitos.
Assim, capacitar o território para participar e também controlar socialmente o seu processo de desenvolvimento, demanda pensar e agir coletivamente para garantir que os habitantes desse bairro façam parte da construção de um plano, denominado Plano de Bairro, previsto em lei, o qual também prevê a utilização de metodologias participativas.
Acreditamos que hoje reunimos algumas competências para colaborar com a construção da capacidade de arregimentar os desejos, os sonhos, as demandas programáticas advindos dos movimentos e interesses de quem vive nesse bairro, contando para isso com “aliados” integrantes de uma mandala de instituições e equipamentos públicos, além, é claro, da força comunitária que para ter efetividade precisa ter organização e coesão de propósitos, tendo como um espaço com potencial para colaborar nesse processo o Fórum dos Moradores do Lapenna.
Num território onde ocorreu um salto populacional de 4 mil para 12 mil habitantes nos últimos 04 anos os problemas infraestruturais se agravaram, porém está evidenciada a presença do poder público, com equipamentos de educação desde CEI, EMEI, Fundamental até ensino médio, um equipamento municipal de saúde, um de assistência social, além de alguns investimentos em infraestrutura como de um coletor tronco, estação de trem com acesso ao território dentre outros investimentos.
Apesar da complexidade de parte considerável de seu terreno urbano composto por sub-habitações, assentamentos precários (são cerca de 1100 habitações nessas condições), desenha-se, a princípio, uma perspectiva de alinhamento institucional - comunitário, para relacionar – se com qualidade argumentativa com os poderes executivo e legislativo, na perspectiva de elaboração de um plano de desenvolvimento desse território.

Orquestração institucional comunitária básica
Na música, ao longo de historia, tivemos grandes mudanças. A princípio, não tínhamos os sustenidos e os bemóis, as teclas pretas do piano. Mais tarde o cravo foi temperado, ou seja,  passamos a ter 12 semitons. E, se olharmos para o passado, para a harmonia tradicional, percebemos que ela sempre tem uma dominante, há sempre algo resolvido num tom. Mas se nos espelharmos no atonalismo, na dodecafonia, um dos últimos movimento musicais transformadores, veremos que ocorre um “entrelaçamento” dos 12 semitons, não há  dominante, e os modos harmônicos perpassam esses 12 semitons, temos assim uma composição sem um centro.
Assim, no Jardim Lapenna, temos 12 atores institucionais - comunitários em processo de arregimentação com potencial contributivo, e a ideia não é ter um centro, no processo de uma orquestração básica voltada, tanto para pensar e construir um junto uma gestão territorial integrada, como a construção de um Plano de Bairro, demandando espaços participativos e educativos para capacitar e organizar esse território. Gerar ativos também para lidar com as demandas urbanísticas do dia a dia e para a necessidade de desenhar um pensamento ecossistêmico voltado às transformações mais complexas, que dizem respeito, inclusive, às questões urbanísticas infraestruturais é fundamental.
São eles os 12 atores dessa orquestração que chamamos de mandala dodecafônica: Sociedade Amigos do Jd Lapenna, PSF – UBS, Creche Mutirão, CCA, Fundação Tide Setubal. E.E Pedro Moreira Mattos, SOS Lapenna, Comerciantes, Igreja Jesus Mestre, Igreja Evangélica, Mutirão, Grupo de Artistas,

Obreiros da construção de um Plano de Bairro e os desafios
Sendo um plano de bairro um instrumento previsto no Plano Diretor Estratégico que teve sua última revisão em 2014 (segue anexo publicação Diário Oficial Município), o qual prevê ser também ser de responsabilidade do executivo orientar e capacitar os territórios para o seu desenvolvimento, no Jardim Lapenna como também em qualquer território periférico enfrenta três grandes desafios: “a) a realização do projeto de tal forma que forneça os insumos apropriados para que o Plano constitua o percurso certo (desde e para os moradores) de orientação das intervenções e investimentos no território, b) o desenvolvimento de uma metodologia inédita para a realização de Planos de Bairro na São Paulo periférica a partir da participação social, e c) uma metodologia adequada de participação social. (EQUIPE FGV – Ciro Biderman)
                Para contribuir na superação desses desafios é necessário imprimir um ritmo de capacitação, atuação e participação do território que perpasse:
a) um alinhamento político – pedagógico para compreensão de governança territorial;
b) constituir um observatório institucional e comunitário do território;
c) ter olhos (capacidades) para identificação e compreensão das oportunidades micro e macro – políticas;
d) ter clareza da necessidade de uma gestão urbana local conectada à regional e à cidade;
e) ter uma atuação de advocacy no território e um quadro de alianças dentro e fora do território.
                Isso demanda antes tudo, conhecer as redes do universo relacional de cada um dos 12 atores institucionais – locais, interseccionar essas redes, identificar interesses e responsabilidades de cada um e definir interesses coletivos, afinando propósitos na construção do Plano de Bairro.
                Essa orquestração territorial colabora para com uma partitura qualificada para dialogar com o executivo e legislativo, o que traz mais possibilidades de atenção desses poderes, quando dialogam com comunidades com capacidades argumentativas convincentes e que demonstram conhecimento e organização.
Jardim lapenna hoje. Desafios e oportunidades
Há desafios a serem superados como também oportunidades na cidade para avançar num processo de um planejamento para o desenvolvimento do bairro:
Principais desafios
  1. Contexto de fragmentação de interesses entre os três Lapennas
  2. O Fórum dos Moradores hoje tem baixa capacidade de resolução de problemas imediatos
  3. O Lapenna é “visto” como comunidade – território desorganizado
  4. Falta de compreensão da comunidade do que é o território (físico)
  5. Falta de credibilidade no Poder Público para resolução de problemas ligados às enchentes e à habitação

Oportunidades
  1. Disposição da Sociedade Amigos do Jd Lapenna na parceria de articulação
  2. Grupo político comum nas esferas estadual e municipal
  3. Subprefeito de São Miguel com trajetória na questão espaço urbano, ainda que habitacional
  4. Equipe Aliada (FGV) com potencial conectivo inter e “transterritorial “
  5. Ativos de conhecimento e atores arregimentados para propor ações para a Várzea do Tietê

Fórum dos Moradores Lapenna – dentro do círculo de governança territorial
Fortalecer um espaço participativo colaborativo para colaborar na transformação do território em espaço promotor de direitos, educativo, identificador de demandas socioambientais, que também possibilite articular os ativos de conhecimento da cidade para o território e do território para a cidade e, quiçá, se tornar uma referência no território de interlocução com o Poder Público, colabora substancialmente para coesão de propósitos, revelação de novas lideranças e qualificação da participação da comunidade como coautora de um Plano de Desenvolvimento (ver PPT anexo – proposta de formato), além de integrar o círculo de governança territorial.
Construção de um território de direitos
                Além dos apontamentos ao longo desse texto (quadro 1), algumas tarefas se fazem necessárias, as quais poderíamos planejar:
Capacitação para participação
Itinerário formativo para aprender a participar
Agenda Comum no Território
Construção de um plano de comunicação gerador de dinâmica interativa, ou seja, que conte com os atores do território na produção conteudística

Comunicação Comunitária Estratégica
Construção de agenda comum dinâmica, curto, médio e longo prazo visando ainhamento constante de propósitos e ações


                Fica uma reflexão do Géografo Milton Santos: “O caminho é longo, mas se não caminharmos com as considerações elementares as quais compõem o que denominamos de geografia da transformação, nos distanciaremos da construção de uma plataforma que prevê uma educação comunitária para uma nova dinâmica de urbanização, inovação tecnológica, ambiental e social, concomitantemente a produção e garantia de direitos e  das conquistas sociais obtidas e das que estão por vir”.






sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Somos uma partícula da vida dessa cidade

Foi numa dessas manhãs em que a projeção da luz
de nossos feitos adentrou o espaço - tempo de nossos afetos,
em meio às crianças a ler, escrever, cantar e contar vagalumes,
num desses pontinhos de cidade, 
percebemos o aprendizado colaborativo 
que vivenciamos com tanta gente,
tanto conhecimento de cidade
e o quanto avançamos.

Caminhamos pelas interações para um bem viver juntos,
sempre a contar com sementes aladas para germinar
coautorias de crianças, jovens e adultos a intervir
nesses territórios dentro e fora da gente.

Nessa ciranda de 10 anos
a reunir a “passarada”
nos frutos – livros
das árvores
e praças,
na roda da escola
a cantar, plantar,
comunicar, educar
em Ágoras de paz,  
Odeons, Casas,
Templos, CEUS,
no brotar sorriso – flor
de um Galpão iluminado
pelos olhos incandescentes
de crianças e educadores,
nos desafios constantes
superados com habilidade
e com “toque de letras”
num letramento CDC,
também em meio às ocupações,
os rios, os córregos,
as moradias, as famílias
o aprender, o educar, o proteger
e o intervir, a participação,
as investidas para articular,
aproximar, desenvolver... 
nos encontros caipiras,
urbanos, dessas vilas, vidas,
quantas vidas na vida da cidade,
quantos territórios a percorrer...  

Novo ciclo. Vem o sol a cada dia na poiesis laborial, 
techné do reajustamento, ampliar, avançar, são tantas esferas,
viver nesse mundo é habitar esferas, desde o princípio,
esferas que se integram uma às outras,
a entrelaçar conhecimentos,
em plataformas colaborativas...

Ao passar pelos trilhos do tempo, 
nas ruas, escolas, Postos de Saúde, casas sobre os rios escondidos, 
nos Laboratórios, nas Universidades, nas rodas, nos coletivos,
o legado está vivo e com poder de reativação
em tantos territórios vivos e ativos,
numa territorialidade extra e intra -  perceptiva,
o olhar público à coisa pública, o espaço, o terreno urbano.
Sim, o caráter epistemológico muito latente
e presente nos nossos próximos passos
e uma certeza a iluminar o caminho:
a de que somos uma partícula da vida dessa cidade a captar,
capturar também tantas sabedorias e conhecimentos
e com disposição, competênci, num exercício constante de alteridade, levarmos sempre o reconhecimento
de QUE SOMOS CONSTITUÍDOS PELO TERRITÓRIO.

O território não é apenas o resultado da superposição
de um conjunto de sistemas naturais e um conjunto
de coisas criadas pelo homem. O território é o chão
e mais a população, isto é, uma identidade,
o fato e o sentimento de pertencer
àquilo que nos pertence”
Milton Santos

Feliz Natal e um 2017 de realizações, aprendizados e amor
 Novo Ciclo

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016


Por uma inteligência colaborativa  voltada à Várzea do Tietê
A partir de aprendizados com agentes que produzem conhecimento
Nessa noite pensei na gente e no rio.  
A gente faz um esforço para morar aqui
e viver nessa luta também com o rio.
Acho que a gente tem que trabalhar
junto para melhorar esse nosso lugar,
mas também fiquei pensando no rio:
o que ele acha disso tudo e de todo
esse movimento de sobe, desce,
molha, seca, adoece e cura,
Ai meu São Benedito!
Dona Herculina – moradora

Nesses dias de um quadriênio em que a nossa trajetória em busca de interações para um bem viver nos territórios da Várzea do Tietê, localizados na Zona Leste de São Paulo, também indicou a convicção de que devemos ampliar o olhar para compreensão ecossistêmica desses territórios, para colaborar como articuladores na arquitetura de estratégias e ações que efetivamente possam provocar transformações sistêmicas nesse hábitat, percebemos a necessidade de uma inteligência conectiva e colaborativa construída na intersecção de conhecimentos que se interdisciplinarizam.  
Pelo menos 10 bairros da Zona Leste, circunvizinhos de São Miguel enfrentam as adversidades na relação que mantém com as microbacias do Alto Tietê e, olhar para as condições desses espaços urbanos, implica estudá-los, pensá-los em suas condições socioambientais, infraestruturais que, numa primeira leitura, nos remete à habitação, sendo que é imprescindível conectar inteligências existentes nas Universidades, Poder Público, Iniciativa Privada, Organizações da Sociedade Civil e comunidades o que implica também proteger, educar, e considerar preponderante a construção da contribuição e de participação política das pessoas nessas áreas tão complexas pertencentes ao estado, em busca de coesão social e de propósitos para superar as adversidades. Isso nos faz pensar e discutir com quem convive com a escassez o que entendemos como estado não só como esfera governamental, mas num sentido mais amplo de participação e corresponsabilidade comunitária na construção de governança nos territórios.
No ponto de vista governamental, nessa lida de articular para também aprender um pouco sobre o ecossistema da Várzea do Tietê, descobrimos que é de responsabilidade da Prefeitura de São Paulo assumir o protagonismo na articulação de ativos de conhecimento para o desenvolvimento de ações de saneamento básico, que promovam a revisão do Plano de Saneamento para as áreas de Várzea, dentre elas a maior com 75 km de extensão que é a do Tietê, como também sabemos que é de responsabilidade de órgãos estaduais a operação das águas e preservação de suas margens como prevê a legislação da Área de Proteção Ambiental do Tietê que muitas vezes se hibridiniza com Zona Especial de Interesse Social – ZEIS.   
Assim, os órgãos estaduais e municipais, detentores de conhecimento técnico e científico e que são, por exemplo, responsáveis pela operação das águas, controle dos recursos hídricos, ambientais e pela aplicação de políticas urbanas voltadas à infraestrutura e habitação, necessitam abrir suas escutas e integrar a colaboração de outros agentes e, a recíproca é verdadeira, no que se refere aos demais agentes da Academia e da Sociedade Civil. Aqui nos referimos àqueles atores que desenvolvem desde tecnologias de drenagem, estrutura física de saneamento, controle do fluxo das águas pluviais, por exemplo, até os que trabalham no desenvolvimento de tecnologias sociais. Isso, dentro de uma visão que possibilite conectar demandas infraestruturais até mesmo com oportunidades de animação econômica e fortalecimento do tecido social esgarçado nessas áreas, por conta das interrelações advindas da escassez, o que gera uma escala de desigualdades territoriais e prejudica a coesão social em torno de propósitos comuns para esses territórios e suas comunidades.  
Concentramo-nos num território de Várzea, o Jd Lapenna, com suas singularidades, mas com muitas similaridades com outros territórios desse ecossistema. Esse terreno urbano está localizado numa planície aluvial, entre as extremidades do final de duas microbacias do do Itaqueruna e a do Jacu. Mas, uma planície aluvial é composta como o nome indica de aluvião, um solo produzido pela acomodação do Tietê, um rio de planície e como todo rio de planície corre devagar, mas que em tempos de chuva reconhece como suas as áreas que passaram a ser habitadas pela população que busca um espaço para morar.
Para entender melhor é importante observar que solos de planícies aluviais, sofrem mudanças constantes em sua “textura” tornando-se ora permeáveis, ora sedimentados conforme o movimento do rio, sendo que a infraestrutura urbana preexistente na Várzea está sobre as antigas sedimentações, que configuram uma espécie de platô, mais elevada, produzida pelo movimento das águas a levar sedimentos e, ao longo do tempo, criou uma espécie de espaço mais elevado.  
O Jd Lapenna em 2013 era habitado por quatro mil pessoas e hoje sua população passou para 12.000. Esse território, nesse último triênio, também registra um aumento de 55% de moradias sujeitas a riscos ambientais. Seu sistema de coletor tronco de esgotos, um dos últimos investimentos em infraestrutura, passou a sofrer com interferências de comprometimento em função das ocupações, além de ligações de esgoto no sistema de galerias de águas pluviais.
As áreas de Várzea do Rio Tietê possuem uma configuração físico-territorial longitudinal, apresentando uma extensa área plana com declividades, em média, inferiores a 5%, e larguras variando entre 200 e 600 metros, podendo atingir até mil metros em alguns pontos que correspondem aos terrenos sujeitos às inundações anuais do rio, na época das chuvas. Esse espaço que pertence ao rio, hoje também pertence às comunidades, o que exige dos atores e gestores produtores de conhecimento específico para essa região que trabalhem na proposição de um projeto que dialogue com duas alternativas nas suas proposições voltadas ao convívio entre gentes, rios e córregos e todo o ecossistema recuperável ou emergente advindo dessa relação: a) desenvolver operações para capacitar o território para viver nesse espaço, permitindo ao rio sua livre acomodação; b) desconsiderar a acomodação natural do rio e priorizar a presença humana.
Assim, passamos a entender que projetos voltados para essa finalidade, precisam necessariamente considerar as duas alternativas citadas acima, e que é importante que as comunidades compreendam que lugar é esse que habitam, passem a interagir com o ativo de conhecimento e tecnologias existentes, aprendendo e assimilando a intencionalidade dessa inteligência  e defendê-la, sendo que é fundamental existirem atores que possam colaborar com essa interação, o que implica um trabalho educativo com, no mínimo, dois vieses: a coesão social e o empreender e legitimar  a transformação.
Na nossa caminhada relacional, a partir do agravamento das condições urbanas e da multiplicação da sub-habitação em um território no qual atuamos, passamos a encontrar e, de certa forma, conectar, diríamos até mesmo articular, inteligências e ativos de conhecimento que pensam e desenvolvem estudos voltados a esse objeto intensificador de desigualdade socioespacial, vívido e latente nos territórios da Várzea do Tietê compreendidas no que passamos a denominar como vórtice da Zona Leste composto por União de Vila Nova, Jd Lapenna, Jd Helena e Vila Itaim.
Assim, além de perceber a necessidade de atuar para a planificação e execução de um plano de gestão territorial que considere a participação, a governança local e a articulação de ativos de conhecimento que se identificam com o propósito de uma estratégia de ações territoriais integradas, faz – se necessário investir na articulação de agentes públicos, universidades, sociedade civil e iniciativa privada para a efetivação de uma inteligência conectiva e colaborativa voltada à uma extensa área da Várzea do Alto Tietê, no que diz respeito à infraestrutura urbana, compreendida na tríade saneamento, habitação e participação sistêmica dessas comunidade no desenvolvimento urbano desses territórios.
Hoje, já existe um germe dessa intencionalidade, juntamente com uma primeira aproximação Ativo de Conhecimento Tecnológico com as Comunidades de 04 territórios de Várzea. Iniciando um movimento de “concertação” entre FAU – USP, Centro de Hidráulica da Poli, Associação Brasileira de Cimentos Portland mais o apoio de ativos e quadro técnico de órgãos do Poder Público, voltados para uma proposta que considera, não somente o espectro físico, mas que dialoga também com a apropriação das comunidades de tecnologias, na perspectiva concreta até de “animação econômica”, aliado a um trabalho educativo, fundamental para que haja legitimidade e participação comunitária no definir, agir e transformar.
Ao ouvir a frase de Dona Herculina, num desses dias, coincidentemente lia o livro Carne e Pedra – o corpo e a cidade na civilização ocidental de Richard Sennett,  pensei em São Benedito, citado por ela. No livro Sennett nos conta que no século IX surgiu a primeira ideia de comunidade criada por São Benedito, decretando que os monges deveriam passar os dias trabalhando e rezando – laborare et orare – o labor deveria se concentrar no jardim (aliás uma alusão a compensação do pecado do jardim do Éden). O ofício cristão estava associado à garantia do refúgio contra o mundo de pecados.
 Dona Herculina reflete sobre a relação da comunidade com o rio e insinua um pensamento mais ecossistêmico, sem a ideia de comunidade voltada para a compensação de pecados, mas num exercício de alteridade entre também se colocar no lugar do rio e ampliar a compreensão de viver onde ela passou a habitar.  

Por uma inteligência conectiva e colaborativa voltada à Várzea do Tietê, é fundamental que haja, como indica o ponto 1 da Assembleia de Convergência sobre o Direito à Cidade do Habitat III  ações-chave, lutas, projetos, articulações de ativos de conhecimento, economia local integrada às demandas urbanísticas, programas locais para a implementação do direito à cidade, desenvolvidos pelos diversos setores da sociedade civil locais, com a participação ativa de grupos sociais e movimentos populares. 

. Dados e aprendizados: PAVS - Programa Ambientes Verdes e Saudáveis e PSF Lapenna,   Comitê da APA da Várzea do Tietê, FAU - USP (Prof. Paulo Fonseca), Rui Ohtake, Luiz Orsini (POLI - USP), Nelson Brissac (ZL Vórtice), Fernando Melo Franco (SMDU), Robert Poow (urbanista catalão - Renova SP) e Dona Herculina 

NCC São Miguel no Ar

Galpão de Cultura e Cidadania
Rua Serra da Juruoca, nº112
Jardim Lapenna - São Miguel Paulista
São Paulo - SP
Telefone: (11) 2956 0091
E-mail NCC: projetosmnoar@gmail.com

Fundação Tide Setubal

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E-mail: fundacao@ftas.org.br

CDC Tide Setubal

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São Paulo - SP
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